NA TERRA DA MISÉRIA E... DOS PORSCHES
POR CESALTINA PINTO – revista VISÂO
No Vale do Ave, não há empregos: há despedimentos, salários em atraso, lay off. O comércio ressente-se. Só o Centro da Porsche não se queixa: em dois meses, fez metade das vendas de um ano
'Assim se faz Portugal. Uns vão bem e outros mal.» A canção de Sérgio Godinho não sai da cabeça, quando se vagueia pelo Vale do Ave. Em Vizela, Patrícia Oliveira, 32 anos, desatou a fazer tricô e croché. Os cachecóis vão crescendo, ao ritmo da sua impaciência. A região já não tem muito para oferecer a uma mulher como ela, com apenas o 6º ano de escolaridade, vítima de despedimento colectivo de uma têxtil-lar.
A estrada entre Braga e Guimarães deixa uma sensação de morte lenta. As fábricas, na berma da estrada, despertam-nos a nostalgia do que já foi grande, como a Outeirinho, a Lameirinho, a Riopele...
Em Guimarães, o condomínio privado Villas Flor é um sinal dos tempos. São 80 apartamentos de luxo, construídos no local onde já laborou uma grande empresa têxtil, de que só restou a fachada.
O soco no estômago espera-nos em Celeirós, Braga. O Centro Porsche foi inaugurado em Setembro mas, no fim de Outubro, as nuvens carregadas não ofuscavam o brilho do interior. Rui Franco, sócio-gerente, tinha razões para fazer estourar a rolha do champanhe que partilhava com os funcionários.
Ou seja: a Porsche vendeu 12 Panamera, em dois meses, quando o objectivo era vender oito num ano! Sendo que o preço médio deste carro anda pelos 200 mil euros (o Turbo chega a 225 mil euros e também já estava vendido). «Só esta manhã vendemos quatro e já temos pedidos para entregas em 2010.» Rui Franco não podia estar mais satisfeito. Antes de inaugurar o stand, tinha já 40 clientes em lista de espera. E se a intenção era negociar 50 unidades num ano, o certo é que, em nove semanas, já vendeu vinte e cinco.
Quem compra carros pelo preço de um T2 ou de um T3? «Vendemos para todo o País, mas 40% estão na Zona Norte. Temos o feirante, o empresário e o jogador de futebol.» Sem identificar os clientes, lá deixa cair: «Um só empresário comprou três. E um empresário têxtil, da Trofa, levou um Cabriolet [140 mil euros].» Há quem peça para levantar os carros durante a noite, uma vez que o stand presta serviço durante 24 horas, incluindo na oficina. Estarão estes empresários entre aqueles que dizem ser impossível aumentar o ordenado mínimo de 450 para 475 euros?
'NEM DEIXAM APRENDER!'
Esta é uma realidade na qual Patrícia não se move. Mas Francisco Vieira, do Sindicato Têxtil de Guimarães, tem perfeita consciência dela: um país esquizofrénico, a duas velocidades, condimentado por laivos de imoralidade. Sente-se indignado pelo que vê e ouve. «Fui ameaçado de morte por um patrão porque lhe pus em causa o processo. Não pagava havia três meses, despediu os trabalhadores, fechou a fábrica. Mas queria abrir outra e contratar 40 trabalhadores. E tinha uma grande fila à espera. É preciso dar caça a isto!», desabafa, apontando a legislação que permite fechar e abrir empresas, continuamente e com impunidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário