16/08/09

Passividade

Na minha deambulação metafísica, por vezes surge a falta de esperança, o cepticismo, sobre a possibilidade de qualquer mudança na Humanidade. O culto individualista e egocêntrico na espécie humana é visceral, límbico, de modo que parece que jamais será eliminado. Assim, a injustiça, a opressão, a repressão, a ausência de liberdade, serão comportamentos que persistirão no tempo. Contudo, numa manhã de domingo fresca do mês de Agosto, nessa deambulação, liguei a TV na RTP1 e estava a transmitir uma homilia proferida na Igreja de Santa Beatriz da Silva, em Marvila, Lisboa, por um sacerdote que era apresentador de programas na televisão (do qual não me recordo o nome). O que me despertou a atenção foi o discurso invulgar no seio da hierarquia da Igreja Católica, que infelizmente tem sido muito pouco interventiva com a sua doutrina social. O sacerdote mostrava a sua indignação pela passividade dos cristãos perante a injustiça e a falta de liberdade e apontava vários interlocutores que contribuíam para essa passividade, entre os quais a comunicação social. Em relação a esta afirmava que o seu contributo passava pela “programação que alheava e anestesiava os espectadores, com o objectivo de vender muito” ou “pelos que mandam, que controlando esses meios os impedem de mostrar o mundo real”. Mostrou indignação pela indiferença perante “a mentira, a aldrabice” que inunda a vida quotidiana dos cidadãos e alertou que a comunhão eucarística era um contrato assinado que obrigava o cristão a aplicar no seu quotidiano a luta pelos valores humanos.
Este discurso aplica-se não só aos cristãos mas a todos os cidadãos que professem ou não uma fé religiosa; é mais fácil e menos sofredor ignorar a injustiça desde que ela não esteja no nosso lar. Não ignorar implica agir e aqui o medo é um poderoso dissuasor porque o receio egocêntrico de perder o seu bem-estar sobrepõe-se à luta pela justiça do bem-estar de todos. O problema é que sendo o Homem um ser social tem de viver em comunidade; se parte dessa comunidade vive sob o sofrimento da injustiça social afectará inevitavelmente a outra parte, e toda a comunidade será atingida. Milhões de seres humanos persistem em viver nesta ignorância, pensando ilusoriamente por influência de doutrinas filosóficas egocêntricas, que cada um por si será suficiente para se viver harmoniosamente. Quando observamos o que se passa por esse mundo fora, confrontamo-nos com essa ilusão...
Estou convicto que só as atrocidades da guerra e/ou a violência social é que despertam do marasmo os humanos com poder para promover alterações; ironicamente, é o sofrimento induzido por comportamentos anti-sociais que promovem a mudança...