26/03/09

Clamar por justiça

Pensões milionárias, demissões e fechos de fábricas fazem disparar a agitação social
26.03.2009, Ana Rita Faria - PÚBLICO

O ataque à casa do ex-presidente do Royal Bank of Scotland foi a última gota de uma onda de protestos que tem varrido a Europa e os EUA. Especialistas dizem que não vai ficar por aqui

Uma pensão anual de 750 mil euros, três janelas de casa partidas, menos dois vidros no Mercedes S600. O dia amanheceu sombrio no bairro de Morningside, em Edimburgo. Antes do raiar do sol já a casa de Fred Goodwin, ex-presidente do Royal Bank of Scotland (RBS), estava rodeada de polícias. Um grupo, que se chamou a si mesmo Os Patrões dos Bancos São Criminosos, partira janelas da moradia de Goodwin, bem como o vidro traseiro e um lateral do seu automóvel."Estamos furiosos com as pessoas ricas que, como ele [Fred Goodwin], se enchem de dinheiro e vivem no luxo, enquanto as pessoas comuns ficam desempregadas, sem posses ou sem casa", explicava o grupo responsável pelos ataques, num e-mail enviado a um jornal escocês. A revolta continuava: "É um crime; os patrões dos bancos deviam estar na cadeia". E deixa o aviso: "Isto é só o começo". O dia de ontem provou que sim.
"Enquanto uns são despedidos, outros recebem prémios, o que provoca em qualquer cidadão um choque enorme", diz o sociólogo Sérgio Aires, que dirige o Observatório de Luta contra a Pobreza de Lisboa. O caso de Fred Goodwin é o último exemplo. O ex-presidente do RBS atiçou a ira pública depois de se recusar a devolver uma pensão de 700 mil libras, a que tinha direito por ter pedido reforma antecipada. Até aqui tudo bem, não fosse o facto de o banco estar à beira da falência e só ter escapado graças à ajuda do Governo.
Apesar dos protestos, Sérgio Aires não acredita que venha a ocorrer uma alteração significativa nos prémios e pensões recebidas pelos executivos. Só uma coisa é certa, diz o sociólogo: o clima de agressividade será maior a partir do momento em que o número de pessoas desesperadas aumentar. E, sobretudo, quando a crise atingir a sério as classes médias. "Quem ainda tem emprego está apenas assustado, mas, comparando com alguns meses atrás, pode até estar numa situação melhor, pois as rendas e prestações de casa baixaram, bem como os preços", diz Sérgio Aires. Só "quando a crise nos começar a tocar a todos um bocado mais" poderão ver-se acções mais agressivas, defende.Já para Rogério Roque Amaro, economista social e professor do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), o mal-estar estava latente e é o resultado de "uma sociedade fragmentada e desigual e de um sistema económico que está longe de ser tão eficiente quanto nos faziam crer". De acordo com Rogério Amaro, era natural que as reacções de protesto rebentassem e que continuem a rebentar com mais força daqui para a frente. E ainda bem, diz o economista. Afinal, "os protestos dos cidadãos são o fogo que alimenta a capacidade da sociedade civil de gerar um novo sistema (...).

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