21/07/11

O poder niilista

Com base em tudo o que aconteceu nos últimos anos, é cada vez mais inegável que os decisores políticos e os detentores do capital são niilistas. As decisões que implementam são de curto prazo, estando completamente indiferentes às consequências a longo prazo, numa lamentável falta de solidariedade geracional. Nitidamente, desde que as decisões não os afecte no prazo de esperança de vida que ainda podem usufruir, essa atitude tem levado á destruição paulatina dos recursos. A recusa dos EUA no protocolo de Quioto, a continuada poluição da indústria, e o caso a seguir relatado, são exemplos que comprovam esta tese.

A UE planeia rever a sua política de pescas, com vista a parar a extinção de peixes. Mas o peso dos grupos de pressão do ramo e a miopia de alguns Estados-membros está a tornar a tarefa difícil.

Frank Pope

Se dependêssemos do peixe capturado em águas britânicas, já não teríamos nenhum no próximo fim de semana.

O Atlântico Norte já foi um dos mares mais produtivos do planeta. Agora, apesar de ter uma das maiores frotas de pesca no mundo, a Europa é forçada a importar dois terços do peixe que consome. Em vez de recordes de produção, registamos níveis de sobrepesca que afetam três quartos das populações de peixes da Europa.

Num mundo cada vez mais ávido de proteínas e, especialmente, das saudáveis provenientes do peixe, isso seria já um crime suficiente. Mas estamos ainda a pagar caro pelo privilégio desta má gestão. Se não fossem os subsídios dos contribuintes, grande parte da atividade europeia de pesca entraria em colapso. Pagamos mil milhões de euros por ano para mantê-la à tona, metade dos quais vai para Espanha.

Tudo poderia ser muito diferente. Num mundo perfeito, a Europa lucraria com o seu peixe, ganhando dinheiro tributável pelas grandes capturas efetuadas por uma atividade salutar. As águas europeias assemelhar-se-iam às que circundam os Estados Unidos, a Nova Zelândia e a Austrália, onde quotas baseadas em dados científicos levaram ao aumento dos stocks e dos lucros.

O dr. Rainer Froese, do Instituto Leibniz de Ciências Marinhas, calcula que, se a Europa seguisse os mesmos princípios científicos, dentro de quatro ou cinco anos os lucros triplicariam, os stocks quadruplicariam e as capturas aumentariam cerca de 60%. Algumas espécies recuperariam mais depressa e outras nunca, mas, mesmo em tão pouco tempo, considera que "é possível recuperar o paraíso ".

Felizmente para a Europa, temos em Maria Damanaki uma comissária das Pescas progressista, que está do lado dos bons – e dos peixes. Ela entende que o seu trabalho é cuidar das populações de peixes, que depois alimentarão os pescadores. Os seus antecessores pareciam pensar que as coisas funcionam no sentido inverso.

Ontem, ela teve oportunidade de comunicar a morte da famigerada Política de Pescas Comum, que nos deixou nesta complicação, e anunciar a abertura de uma era mais iluminada. Utilizou uma linguagem dura: "Não podemos dar-nos ao luxo de prosseguir a atividade como até aqui. Precisamos de mudar".

Infelizmente, tal não vai ser possível.

Apesar de alguns sinais positivos, o seu discurso revelou que não conseguiu derrotar os verdadeiros culpados pela nossa situação desesperada – o Conselho de Ministros das Pescas da UE e os seus eficazes cúmplices, os grupos de pressão da indústria de pesca.

No lado positivo, algumas espécies vão ser subordinadas a planos de gestão de longo prazo, longe do alcance dos ministros. E o Parlamento Europeu tem agora, pela primeira vez, uma palavra a dizer em qualquer reforma, que permite à opinião pública ter mais influência. Como o famoso chefe cozinheiro Hugh Fearnley-Whittingstall tem demonstrado, a pressão da opinião pública pode fazer a diferença. Principalmente através da “Hugh’s Fish Fight” [Campanha de Luta do Hugh a favor do peixe, em http://www.fishfight.net/ ], defende que a prática das devoluções ao mar de peixes perfeitamente comestíveis [mas não economicamente rentáveis], num montante de 1,3 milhões de toneladas só no Atlântico Norte, tem de ser proibida.

A Europa já paga a cientistas para saber quantos peixes podem ser capturados sem atingir os stocks de reprodução. As capturas precisam de ser ajustadas convenientemente. Se a isso somarmos uma margem de segurança antes atingir o contingente global, podemos voltar a ter mares saudáveis.

Mas nada nas reformas propostas por Maria Damanaki significa um compromisso em seguir os pareceres científicos no futuro. A declaração de ontem foi apenas o melhor que conseguiu contra uma oposição entrincheirada. E ainda é suscetível de ser mais diluída.

Parece, pois, que a delapidação vai continuar. Maria Damanaki defende que os peixes da Europa são um recurso público, mas as decisões-chave sobre eles são tomadas à porta fechada por ministros das Pescas que insistem em ignorar a ciência a favor de vorazes interesses de curto prazo. As atas e os pormenores de quem votou em quê nunca são divulgados.

O ministro das Pescas do Reino Unido, Richard Benyon, diz que gostaria que lhe fosse retirado o poder de voto em capturas insustentáveis, mas parece que demasiados dos seus homólogos não. O resultado é a perda de uma grande oportunidade para a reforma vital e a continuação de um péssimo negócio, como de costume.

Sem comentários: