20/09/08

O legado do capitalismo

Crescer depressa
O grupo de Fábio não passa de um bando de "caixas baixas" - têm entre 12 e 16 anos, roubam telemóveis aos miúdos ainda mais novos do que eles e apanham porrada de todos os outros. Também os veteranos tiveram de passar por isso. Roubavam fruta dos minimercados, implicavam com os mais fracos e queriam crescer depressa para ganhar respeito. Fábio, Alex, Sandro ou Feitor vivem algures em Loures e não estão dispostos a passar pelo mesmo: "Os mais velhos pensam que podem abusar, mas nós não papamos disso", avisam. É preciso "atitude". Falar alto e enfrentá-los de peito aberto sempre que se justificar. Na maioria das vezes, arriscam a apanhar umas boas bofetadas, mas também dão uns quantos socos em troca. E, acima de tudo, vão ganhando reputação. Pode ser que um dia até os convidem a participar num "esquema da pesada". E pode ser também que lhes abram caminho para terem armas de gente grande - uma shotgun, uma Magnum ou uma Mauser.
Por agora não têm nada: "Se quiséssemos conseguíamos uma 6.35 mm", explica Fábio. Essas estão em todo o lado. Passam de mão em mão. Emprestadas ou vendidas. Com as de grande calibre é diferente: "Só as arranjamos com a ajuda dos mais velhos", confessa o miúdo de 14 anos. Enquanto esperam pela vez deles, vão trabalhando para a fama: "Quando aparecemos na praceta, os mais novos refundem-se todos." Dizem ser o terror das crianças, dos comerciantes e dos motoristas dos autocarros. A parte de trás de uma camioneta é sempre deles. Ninguém ousa sentar-se ao lado dos rufias que bebem "litrolas", improvisam beats do rap e esticam as pernas em cima dos bancos. Os outros míúdos atravessam para o outro lado e encontram caminhos alternativos para não se cruzarem com eles. Estão fartos de serem roubados. De chegarem a casa sem dinheiro, telemóvel ou "caps" da Nike ou da Lacoste. Nem os lojistas lhes fazem frente. Entram aos bandos nas lojas e mercearias; abrem as arcas e tiram os gelados; vão às prateleiras das bebidas e levam cervejas; passam pelos corredores e derrubam tudo. Ninguém faz nada. A não ser esperar que saiam dali depressa para poder limpar os estragos.
Ganzas, "damas" e cervejas não é tudo o que eles querem da vida. Entrar num banco e apontar uma arma aos que estão ao balcão é coisa que "de vez em quando" também vai passando pela cabeça deles. "É perigoso", admitem. "É preciso pensar e ver se vale mesmo a pena." Sabem que é um caminho sem volta. Mas vão adiar a decisão até chegar a altura: "Pode ser que sim e pode ser que não", diz Fábio, encolhendo os ombros. Há que esperar e ver o que acontece.

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