03/02/09

Imoralidade abjecta

Os verdadeiros governantes mundiais são os que pertencem ao grupos económicos que dominam os mercados: bancos, seguradoras, corretoras, multinacionais. O dinheiro dos governos injectado nesses grupos apenas serve para manter o status quo desses criminosos, que roubam descaradamente a salvação de milhões de cidadãos. O preço a pagar é a guerra social, derivas totalitárias e quiçá guerra militar regional ou mundial…

Entretanto, [Barack Obama] chamou a atenção pública para o escândalo de como foram gastos os dinheiros concedidos à banca - como o City Bank - e a grandes empresas, através do plano Paulson, ainda no tempo de Bush. Foram, em boa parte, gastos em prémios dados aos gestores das empresas, que os receberam e em despesas sumptuárias, como na compra de um avião privado, caríssimo, para uso próprio dos administradores. Como disse Obama: "Os executivos dos grandes bancos repartiram entre si 14 250 milhões do plano da crise." E acrescentou: "Uma irresponsabilidade e uma vergonha!" Além disso, anunciou um controlo do Estado para que tudo seja transparente e publicamente conhecido, uma vez que o dinheiro provém dos contribuintes...Na Europa, em geral, tem-se aplicado a mesma receita. E também não está a correr bem. É desconhecido, por enquanto, para onde foram - e sobretudo como foram gastos - os dinheiros expendidos para conter a crise, pelos Estados nacionais. Perante o exemplo americano, é natural que os políticos europeus dêem a conhecer como foi gasto o dinheiro e se não foi também, como se desconfia, para beneficiar - sem qualquer controlo - os mesmos gestores que continuam a conservar os seus lugares, apesar de serem os responsáveis principais do desastre. Em perfeita impunidade, até agora. Portugal, infelizmente, parece não ter sido excepção a essa regra geral. "Mudar o menos possível, para que tudo fique na mesma..." Mas não é possível. Foi a "mão invisível", a auto-regulação dos mercados, que conduziu ao desastre! Quando os ouvimos falar - os inquiridos, arguidos ou apenas suspeitos - com o à-vontade e a desfaçatez com que o fazem, ficamos com a convicção de que ainda não aprenderam nada com a crise... E o pior é que o tempo de mudança urge.

O mais grave de tudo nesta crise global: é o desemprego em massa que continua a crescer, com o encerramento de fábricas e outras empresas, tanto grandes como pequenas, em todos os continentes. A indústria automóvel parece ter sido particularmente afectada, tanto na América como na Europa, no Japão, na Rússia ou na China, países emergentes, que adoptaram o modelo económico neoliberal, no pior que tem, e estão a sofrer muito com a intensificação da crise. Nos próximos tempos, atenção a estes dois colossos, às dificuldades por que vão passar e à forma como vão gerir - difícil de prever - os inevitáveis conflitos sociais que vão ter de enfrentar...
Com o desemprego em crescendo vem o aumento da pobreza, o desespero, a crescente violência e as revoltas. Para além da queda dos preços e do fantasma da deflação...
No Reino Unido deu-se já o fenómeno da discriminação dos imigrantes - com greves em todo o território contra os trabalhadores estrangeiros, sob o slogan "os britânicos, primeiro". Os portugueses, os espanhóis e outros europeus de Leste, que vivem e trabalham no Reino Unido, mesmo em sectores fortemente especializados, foram dos primeiros, talvez por pertencerem à União Europeia, a sentir-se discriminados por um certo e inesperado xenofobismo. E, como é natural, o Partido Trabalhista, de Gordon Brown, desceu outra vez nas sondagens mais de 12 pontos relativamente ao Partido Conservador...
O Reino Unido está numa situação particularmente crítica, com a libra a descer, o que afecta gravemente o nosso turismo interno, sem perspectivas de melhorar, a curto prazo.A França, contrariamente ao que prometeu Sarkozy, não vai melhor. A 29 de Janeiro a greve geral, convocada por oito centrais sindicais (CGT, CFDT, FO, CFTC, CFE- -CGC, FSU, UNSA, Solidaires) conseguiu reunir dois milhões e meio de manifestantes em muitas cidades, abrangendo praticamente todo o território nacional. Sarkozy tinha dito, no princípio das férias passadas, que não haveria mais greves capazes de serem notadas pelos franceses. Enganou-se. É certo que as greves não criam emprego. Todos sabemos. Mas revelam um mal-estar social, que azeda a crise e pode gerar revoltas violentas, sempre perigosas. O que já está a acontecer, em países tão diferentes como a Grécia, a Rússia, a China, sem que se conheça no Ocidente a sua extensão, na Alemanha, no Japão, na Itália, na Suíça, em protesto contra o Fórum Económico Mundial, em Madagáscar, extremamente violentas e, mais ou menos, por toda a parte, embora por razões e com sentidos muito diversos...
Em momento de crise, tão profunda - e ainda no começo - como a actual, um certo tipo de consenso e de paz civil seria altamente útil. Mas como o obter num mundo tão contraditório, desigual e sem rumo como o nosso, nomeadamente na União Europeia? Na América do Norte, onde a crise começou, ao menos há agora um rumo claro, o que está a dar esperança e apaziguamento à sociedade americana, que os tinha perdido. Na União Europeia, não, infelizmente. Não se vê qual é o rumo a seguir pela União, quando as acções não são concertadas e cada país reage como entende. A Comissão Europeia está paralisada e o Presidente Durão Barroso parece apenas pensar na reeleição. Mas será possível que os mesmos rostos, tão marcados por um passado recente, possam merecer a confiança dos europeus? É difícil de imaginar... DN

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