02/01/11

Análise sócio-económica

Os portugueses ainda não se deram conta de que estão numa situação em que a soberania dos Estados - não havendo uma regulação dos mercados financeiros - está sujeita aos abutres financeiros. Uma das coisas que me horroriza é dizer-se na comunicação social cobras e lagartos do Estado ou que a festa acabou e que Portugal é insustentável, enquanto ninguém é tão veemente no que respeita ao facto de os mercados financeiros poderem ganhar rios de dinheiro com a nossa crise e até se façam apostas para ver se a dívida portuguesa será paga e que se ganhe muito dinheiro na aposta. Isto é crime contra a humanidade!

(...) Há anos dizia que o mundo pós- guerra tinha duas superpotências: Estados Unidos e agência Moody's. Neste momento, estamos nas mãos das agências de notação e algo deve estar profundamente errado quando os juros da dívida de Espanha são iguais aos do Paquistão.

(…) os mercados vão regular tudo e assistiremos a um empobrecimento da grande maioria e ao enriquecimento absolutamente injusto de uns poucos.

(…) São os que estão na fila - Portugal, Espanha e Itália - e os mercados financeiros estão a apostar na bancarrota destes países porque vão ganhar muito dinheiro até que ela ocorra. Como é que é possível que os países funcionem nesta base quando se aposta na nossa falência e no lucro que ela dá?

(…) A agricultura foi um péssimo negócio em que Portugal entrou. Tínhamos uma das agriculturas familiares mais fortes da Europa e foi destruída em meia dúzia de anos porque o modelo agrícola da Europa é de grande extensão e de grandes empresas agrícolas e industriais. A nossa produção familiar até era produtiva ao seu nível e produzia, por vezes, também para o mercado.

(…) se não houver a regulação dos mercados financeiros ou o Estado nacionaliza os bancos ou os bancos nacionalizam o Estado. É isso que está a suceder, os bancos estão a nacionalizar o Estado ao fazerem o que querem, ao terem perdas como as que se observam. Como os bancos não podem falir, nem pagam IRC como as restantes empresas, é evidente que estão a nacionalizar o Estado português porque cometem todos os erros que querem e têm os lucros que se vê, para os quais os portugueses continuarão a contribuir.

(…) O Banco Central Europeu não pode continuar a ter o papel de emprestar aos bancos a um juro baixo e deixar que estes emprestem caro aos Estados. Nem podemos continuar a ter 10% do nosso PIB em offshores!

Boaventura Sousa Santos (entrevista ao DN)

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