31/05/08

A morte do capitalismo?

Todos sabem, assumidamente ou não, que a ideologia dita de esquerda morreu governamentalmente, isto é, não existe nenhum governo que utilize essa ideologia na governação do seu modelo sócio-económico. Contudo, o capitalismo sobrevivente vai ser o coveiro da paz social. O artigo seguinte, demonstra bem a tremenda asneira que foi extinguir com a lternativa ideológica ao capitalismo:
Por que chega a sardinha ao prato quatro vezes mais cara?
31.05.2008, Paulo Moura - PÚBLICO

Pescadores queixam-se de que os preços a que vendem o peixe não pagam o gasóleo. Mas ao consumidor o peixe chega cada vez mais caro

300 por cento é quanto o peixe sobe, muitas vezes, entre o preço de licitação na lota e o valor que o consumidor paga
Entre 18 e 20 mil pescadores e armadores estão paralisados desde a meia-noite de ontem, para protestar contra o aumento do preço do gasóleo. Se o Governo não os compensar pela escalada dos combustíveis, a pesca deixa de ser possível como actividade, alegam os representantes do sector.O preço a que o pescado é vendido na lota não paga as despesas de manutenção do barco, dos salários da tripulação e do combustível necessário para sair para o mar, explicam os armadores. Porque vendem o peixe ao mesmo preço desde há anos. Ou ainda mais barato, independentemente de terem de gastar mais em gasóleo. Queriam aumentar os preços, refectindo neles o aumento dos gastos, mas não podem, porque estão obrigados por lei a vender a produção em lota.Aí, os preços da sardinha, do carapau, do safio ou da abrótea são baixos. Mas ao consumidor chegam caros. Não raro atingem os 300 por cento do valor de licitação. A sardinha, por exemplo. Se for vendida na lota a 1,50 euros o quilo, pode custar 5, 6, ou mesmo 7 euros na praça ou num mercado de bairro. Mas também é normal que não ultrapasse os 2 euros num hipermercado.Quinta-feira à noite, um quilo de sardinhas foi vendido na lota de Peniche a 1,77 euros. Ontem, o mesmo quilo de sardinhas custava 5 euros numa banca do mercado do Bolhão, no Porto. No mercado do bairro do Rego, em Lisboa, custava 7 euros. No hipermercado Continente, no Centro Comercial Dolce Vita, no Porto, a sardinha estava a 2,99 euros o quilo. No Continente do Centro Comercial Colombo, em Lisboa, custava 3 euros. No Supermercado Pingo Doce da Avenida de Paris, em Lisboa, estava a 1,99 euros.As contas de um casoO Princesa das Ondas chegou ao cais de Peniche às 17h00, com 600 quilos de sardinha. Gastou 800 litros de gasóleo na viagem, durante 10 horas, segundo o mestre da embarcação. Ao preço de 75 cêntimos o litro, a pescaria custou 600 euros, não contando com o óleo.Os números começam a rolar nos visores automáticos da lota. Iniciam-se em 3, e descem, 2,98, 2,97, enquanto os cabazes de peixe circulam tum tapete rolante. "Sardinha!", anuncia o leileiro ao microfone. As dezenas de compradores sentados numa bancada seguram um comando electrónico e primem o botão quando vêem surgir o preço que estão dispostos a pagar. Os primeiros cabazes da sardinha são licitados a 1,77 euros. Mas nos últimos, onde o peixe é mais miúdo e vai amachucado, o valor desce a 60 cêntimos. O total das sardinhas sai por menos de 700 euros. Não pagou sequer o combustível, diz o mestre do Princesa das Ondas. Os elementos da "companha", que ganham à percentagem, não receberam nada. "O preço aumenta no consumidor, mas para nós é sempre o mesmo", queixa-se. Na bancada, estão comerciantes que vendem na praça, intermediários que levam a mercadoria ao Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), outros que a transportam até aos mercados de peixe para, aí, a revenderem aos comerciantes de banca, armazenistas que vendem ali mesmo, na doca, a restaurantes, a vendedores da praça ou a segundos intermediários que fazem o transporte até aos vários mercados, e as empresas que compram para os hipermercados.Todos licitam com base na expectativa do preço a que conseguirão vender. Emília Mamede, de 73 anos, vem todos os dias. Tem duas bancas na praça de Rio Maior, a mais de 50 quilómetros. Leva o peixe no carro e vende ao preço que pode. Não paga a intermediários. No dia anterior, levou sardinha e carapau, mas não conseguiu vender parte da sardinha. Ao todo, ganhou 10 euros. Hoje tem de vender mais caro, para pagar a gasolina e compensar os dois dias que não veio, por ter de levar o marido ao médico.São os pequenos comerciantes como ela que fazem os preços subir na lota, explica Humberto Jorge, presidente da Associação dos Armadores de Peniche. Porque a maior parte dos licitadores vai vender o peixe no MARL, onde os preços são muito baixos devido à concorrência do pescado estrangeiro. "Dantes, o mercado era previsível. Por isso, o comercante podia ganhar pouco de cada vez. Agora, tudo é muito perigoso. Logo, quando há oportunidade, tenta-se ganhar o mais possível. As margens podem ir aos 300 por cento".Até ao pratoOs intermediários precisam de comprar a preços muito baixos. O mesmo acontece com os que compram directamente para as "grandes superfícies", como é o caso da Opcentro, que trabalha com o Hipermarché. No seu caso, as sardinhas são compradas o mais barato possível, para serem vendidas no hipermercado a um preço fixo, não sujeito às oscilações da lota. Com algumas variantes, o sistema está a ser adoptado por todas as "grandes superfícies". Humberto Jorge, que dirige a Opcentro, pensa, aliás, que a solução do problema das pescas terá de passar pela eliminação da lota. Os produtores deveriam poder negociar directamente com os vendedores, eliminando intermediários e formando preços.Vítor Correia é proprietário do restaurante Mili, em Peniche. Vai todos os dias à doca comprar o seu peixe, a um armazém que, por sua vez, o comprou na lota. A sardinha, que custou 1,77 euros, é-lhe vendida por 2,50 euros. No Mili, leva 7,50 euros por uma dose de sardinha. Deveria ter uma margem de 100 por cento, mas, praticamente, não ganho nada com a comida. As margens são feitas com o vinho, as entradas".No mercado do Bolhão, Maria dos Anjos tem a sardinha a 5 euros. Comprou-a a 4, a um vendedor que a vai buscar ao armazém da doca de Matosinhos, onde a terá comprado, em grandes quantidades, a 3. Na lota, o quilo custou 1,5 euros. Duas bancas ao lado, Sara Araújo está a vender a 4 euros o quilo. Consegue-o porque a sua mãe vai à lota e compra por grosso para várias vendedoras. Elimina um intermediário. "Ganho um euro por quilo de sardinha", explica. Mas nem sempre consegue vender tudo. O que sobra vai para a Remar. Para compensar, no dia seguinte, tem de vender mais caro. Na banca em frente, Lúcia Fernandes faz as contas. Até chegar aqui, a sardinha passa por quatro intermediários. Qual deles ganha mais dinheiro, não sabe. "Acho que deviam ir todos confessar-se a um padre", diz ela. "Mas que seja mouco, para não ouvir nada".

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