11/05/08

Politicamente incorrecto

Com a alteração do ECD, ficou exposto um assunto que só permanecia em pensamento ou que era comentado a titulo privado com um número restrito de pessoas, porque envolve polémica. Esse assunto politicamente correcto, é considerar que no ensino são todos professores independentemente da área disciplinar que leccionam. Esta assunção é uma meia verdade, porque a única coisa em comum é o acto de ensinar, mas cada área do conhecimento implica trabalho pedagógico diferente. Neste contexto, separo as disciplinas em duas áreas:

1-psico-motor (“saber-fazer”)
2-cognitivas (“saber-saber”).

No 1º grupo estão incluídas as disciplinas de Educação Física, Educação Tecnológica e Educação Visual, enquanto que no 2º grupo estão as restantes. Publicamente, o receio infundado de serem tratados profissionalmente de maneira diferente, leva os docentes do 1º grupo a repudiar veementemente esta divisão, mas que em privado reconhecem que existe.
No 1º grupo, o acto de ensinar ocorre predominantemente no contexto da aula, e portanto, a componente não lectiva de preparação de aulas não é tão pesada. No 2º grupo, tem de existir a preparação da aula (com estudo das matérias, elaboração de materiais didácticos, fichas de trabalho e sua correcção, testes escritos e sua correcção, estratégias pedagógicas adequadas para a leccionação dos conteúdos, etc.), o que implica uma componente não lectiva mais pesada.
Todavia, o ECD não consignou as diferenças entre grupos disciplinares colocando todos no mesmo saco, acontecendo o mesmo com a avaliação de desempenho. Neste capítulo, todos sabem que nas áreas do 1º grupo, os alunos têm sempre bons resultados escolares, mantendo-os ao longo do ciclo de estudos; a este facto não será alheio o contexto sala de aula ser completamente diferente: na Ed.Fisica estão num ginásio ou no exterior onde podem ter mais liberdade de movimentos; na Ed. Visual e Ed. Tecnológica executam essencialmente trabalhos práticos de manufactura, onde podem interagir uns com os outros sem perturbar a aula. Assim, estes professores terão sempre garantida uma boa avaliação no parâmetro dos resultados escolares dos alunos. No caso das outras disciplinas, o contexto de estarem fechados numa sala de aula com regras de intervenção e com trabalho essencialmente cognitivo, de apelo ao raciocínio lógico-concreto, formal e abstracto, restringe mais a liberdade de interacção entre alunos para que a aula não seja perturbada (e daí serem nessas disciplinas que ocorre a maioria dos casos de indisciplina). Assim, estes professores têm muitos mais dificuldade em ter uma boa avaliação no parâmetro dos resultados escolares dos alunos, principalmente aqueles que possuem níveis de ensino sujeitos a exame nacional.
Nos últimos anos, algumas escolas assumiram explicitamente estas diferenças através da diferenciação do número de horas da componente não lectiva individual atribuída aos docentes: os do 1º grupo tinham mais horas de trabalho no estabelecimento do que os restantes (exceptuando os docentes de ED.Visual que leccionavam níveis de ensino sujeitos a exame nacional, como no caso da Geometria Descritiva).
Ou seja, ensinar uma determinada área disciplinar é completamente diferente de ensinar outra área disciplinar, porque ensinam conteúdos diferentes. Tratar de forma igual contextos diferentes é pedagogicamente injusto.
Este assunto está sempre envolto em polémica, com reacções adversas, mas até hoje todos os docentes do 1º grupo intelectualmente honestos, em privado assumiram naturalmente estas diferenças. Desde o colega de Ed. Fisica que confessavava que só para preparar um esquema para leccionar uma aula ao 7º ano demorou 30 mins (!) numa área do desporto relativamente simples e que agora compreendia o tempo que seria necessário para preparar uma aula das disciplinas cognitivas, passando pela outra colega de Ed.Fisica que confessava que quando chegava a casa, tomava banho e ainda tinha tempo de poder sair com os amigos enquanto que a colega de Matemática tinha de ficar a preparar aulas pela noite dentro, até à colega de Ed. Física que percorre todos os dias 200 Km desde a área de residência até à escola, e no final do dia ainda vai leccionar diariamente, incluindo o fim-de-semana, aulas numa academia de artes (tal só é possível porque não necessita de usar a componente não lectiva individual para preparar aulas), são exemplos concretos que são todos professores, mas não possuem a mesma componente não lectiva de trabalho individual.
Por isso, uma das coisas que sempre defendi, sabendo que é politicamente incorrecta e sujeita a polémica pessoal mas incontestável a nível pedagógico, é que o ECD devia possuir um tronco comum mas depois devia possuir um articulado que distinguisse especificamente cada uma das áreas disciplinares que existem no ensino, de modo a discriminar o trabalho pedagógico entre cada uma delas; o mesmo deveria ter acontecido para a avaliação do desempenho.

Sem comentários: