31/01/09

Uma análise sobre avaliação

(…) E como olha para a avaliação da administração pública, para o Siadap? A avaliação da administração pública vem da nova gestão pública, que se desenvolveu na Inglaterra e na Nova Zelândia, onde começou esta moda - isto é muito por modas. Entrou em Portugal com o governo PSD, com Manuela Ferreira Leite, enquanto ministra das Finanças. Achou-se que era preciso avaliar e importou-se o modelo sem nenhuma reflexão teórica. As avaliações e o Siadap já tiveram quatro ou cinco versões. Dou uns exemplos: como se avalia o trabalho de um motorista? Pelos trajectos mais adequados? Poupança de combustível? Não se pode importar para o sector público o mesmo que se faz no privado, o mesmo modelo de avaliação. É o que faz a nova gestão pública.
(…) A razão pela qual não se podem importar modelos é porque o nível de mensuração do "output" em certo tipo de actividades de natureza muito mais qualitativa é muito mais fraco e muita da prestação de serviços da função pública tem uma dimensão qualitativa que é dificilmente mensurável. Por exemplo, nos hospitais, nas escolas.


No seu livro, faz uma análise crítica do modelo dos hospitais-empresa e dos indicadores de produtividade.
Quer-se trazer para os hospitais a ideia de contratos entre Estado e hospital. Mas faltam-lhes os elementos fundamentais de um contrato. Por exemplo, falta-lhe a cláusula que estabelece como dirimir eventuais conflitos ("Em caso de conflito..."). Para perceber como não se pode importar: o que acontece a um hospital se só der prejuízo, prejuízo, prejuízo? Fecha? Não pode. Um contrato é uma maneira de alinhar incentivos positivos e negativos entre as partes. O tipo de incentivos que está na base dos contratos privados não tem nada a ver com o tipo de incentivos que estão na base dos contratos entre entidades públicas. Um hospital não vai à falência.
A nova gestão pública trouxe ideias positivas, como a da necessidade de medir as actividades, mas a ideia de que podemos fazer uma contratualização com o mesmo tipo de incentivos que no privado é completamente falsa. Isto aplica-se aos hospitais-empresa, a todas as EPE's.
Na Inglaterra, onde a moda começou, está a recuar-se um pouco agora. É como as parcerias público-privadas fossem uma moda política que se importa e cujas consequências só se verão dentro de 30 anos, quando já cá não estará ninguém para ver. O governo PSD importou a nova gestão pública e o actual governo PS cavalgou isto e ainda não fez essa reflexão.

Onde sente mais essa diferença na avaliação?
Na educação. Na educação foram feitas coisas muito importantes, com as quais globalmente estou de acordo. Mas quanto à avaliação, há dois países considerados com o melhor sistema de ensino do mundo, a Finlândia e a Coreia do Sul. A Finlândia não tem sistema de avaliação de professores.

E a Coreia?
Não sei e a Finlândia é mais parecida connosco. Temos dois problemas que a teoria económica nos ensina e que são o risco moral e a selecção adversa na função pública. O risco moral é o risco de a pessoa não estar a fazer o que devia por não estar a ser monitorizada, e as que forem menos diligentes vão ficar. Os vínculos eternos à função pública têm um risco moral gravíssimo. E temos também o problema de selecção adversa: se todos são tratados por igual, saem os melhores e ficam os piores. Temos de arranjar instrumentos para atacar estes problemas. O que a nova gestão pública defende - que não é o que eu defendo - é basicamente simplificar objectivos, monitorizar e depois é gerir o 'chicote' e a 'cenoura'. Torna tudo precário. Se a pessoa se porta bem, leva uma cenoura, um prémio de mérito; se se porta mal, vai para o desemprego - é uma linha neoliberal. O que eu defendo é um modelo de comportamento humano diferente, baseado no conceito da reciprocidade e que já foi testado na economia experimental. As pessoas não são aquilo que nós, economistas tradicionais, pensámos: meramente egoístas e a responder a incentivos materiais de 'chicote' e 'cenoura'. As pessoas têm sentimentos e respondem reciprocamente positiva e negativamente. Quando lhes fazem coisas amigáveis, respondem de forma agradável, quando são hostis respondem de forma hostil. É esta alteração que tem de ser levada para a reforma da administração pública.
Qualquer que seja a actividade, motorista, jornalista, professor, tem contratos sempre incompletos. Há muita coisa que não está lá especificada. O modelo de reciprocidade exige muito menos monitorização, muito menos 'chicote' e 'cenoura'. Exige confiança, à partida, e isso implica que a avaliação não seja necessária todos os anos, bastará de dois em dois ou de três em três anos. Há que confiar nas pessoas e esperar que façam o que devem fazer.
Pensar as pessoas apenas como 'homo economicus' leva, de facto, a um tipo de políticas públicas e de reformas da administração pública baseado excessivamente em questões que têm a ver com prémios materiais e punições. Ver as pessoas apenas como 'homo economicus' tem também um efeito perverso, de "crowding-out", de afastamento dos valores individuais, do sentido ético, do sentido da responsabilidade, do dever, do trabalho bem feito.

Entrevista a Paulo Trigo Pereira (participou na comissão para a reforma da administração central do Estado e presidiu à reforma da lei das Finanças Locais)

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